domingo, 9 de setembro de 2012

Fisioterapia x Educação Física. Qual o limite de atuação de cada um?


Vamos à polêmica. Um dos temas que me parecem pouco claros, ou ao menos, compreendidos pela maior parte dos profissionais destas duas áreas, é a até onde vai a atuação de um profissional e onde começa a do outro. Não acho que as respostas às quais poderemos chegar ao fim deste texto serão totalmente aceitas, e nem esse é o objetivo final. Em primeiro lugar, acho que teremos algum esclarecimento. Em segundo lugar, poderemos iniciar uma saudável discussão que poderá ajudar a todos (a mim inclusive) entender melhor quais os papéis de cada um desses profissionais.

Devo dizer que tenho formação dupla, tanto em Fisio, como em Educação Física. Porém, profissionalmente sempre fui mais envolvido com a Fisioterapia. Antes de poder ser cogitada qualquer especulação de que poderia ser tendencioso nesse texto, devo dizer que acho o profissional de Educação Física fundamental em inúmeros aspectos da saúde das pessoas. Em especial, em relação ao desenvolvimento físico e moral de crianças e jovens em crescimento, que encontram na educação física não somente uma importante disciplina escolar para sua evolução como indivíduo e cidadão, mas também um dos principais espaços onde podem se manifestar com espontaneidade na escola, em oposição ao ambiente freqüentemente restritivo das salas de aula.

Ninguém discute o papel do educador físico na educação escolar. Esse realmente não é o espaço do fisioterapeuta. Porém, quando falamos de temas como reabilitação, prevenção de lesões e correção de padrões motores as discordâncias entre quais são os papéis podem começar a surgir. E não paramos aí. Quem pode (ou deve) ser o profissional que realiza a reeducação postural, ou orienta exercícios de fortalecimento e alongamento para pessoas com dores nas costas ou que queiram prevenir essas dores? Quem acompanha mulheres grávidas orientando um programa de exercícios que visa tornar mais confortável o período de gravidez, e mais facilitado o parto? Numa reabilitação após cirurgia de joelho, qual o momento em que o fisioterapeuta passa o papel de supervisionar determinado paciente para o educador físico (se é que faz, pode ou deve fazer isso)? E assim por diante.

I - Definições
Pois bem, fui buscar a definição das profissões. No site do Conselho Regional de Fisioterapia (www.crefito.com.br), na barra localizada ao lado esquerdo da tela, ítem Fisioterapia, sub-ítem definição, encontramos um arquivo pdf onde há uma definição escrita da fisioterapia, seus objetivos, atribuições do fisioterapeuta, e etc. Não pretendo transcrever o texto por inteiro, mas acredito que alguns pontos fundamentais devem ser mencionados:
Objeto de estudos: movimento humano, normal ou patológico, e suas repercussões psíquicas e orgânicas.
Objetivo: preservar, manter, desenvolver ou restaurar a integridade de órgãos, sistema ou função, visando a melhoria da qualidade de vida.
Recursos: recursos termoterápicos, eletroterápicos, cinésio-mecanoterápicos e outros.
Papel do fisioterapeuta: constrói diagnósticos de distúrbios cinético-funcionais e prescreve e aplica a conduta fisioterapêutica.

Para encontrar a resposta à pergunta “O que é educação física” fui diretamente no google e fiz essa pergunta. O 5º link apresentado na primeira página me levou a um texto do Professor Valdir Barbanti da Escola de Educação Física (e Esporte) da USP, onde encontrei algumas das respostas que procurava e que poderão nos ajudar no embasamento de nossa discussão.

Logo no início da leitura, encontrei o ponto que talvez seja fundamental na diferenciação da Educação Física em relação à Fisioterapia e a outras profissões que podem ter como objeto de estudo o movimento humano. Esse ponto é o conceito de que a Educação Física se interessa pelo movimento humano e sua relação com o desenvolvimento mental, social e emocional dos indivíduos.

Um pouco mais à frente, o autor apresenta uma definição atual de Educação Física, que seria “...um processo educacional que usa o movimento como um meio de ajudar as pessoas a adquirir habilidades, condicionamento, conhecimento e atitudes que contribuem para seu ótimo desenvolvimento e bem estar”.

Acredito que já temos alguns conceitos para desenvolver nossa discussão.
Pois bem, enquanto a Fisioterapia se preocupa com o movimento normal e patológico, e suas repercussões, a Educação Física se preocupa com o movimento e sua relação com o desenvolvimento dos indivíduos. 

A Fisioterapia busca melhorar a qualidade de vida, com o uso de recursos próprios dela (termoterápicos, cinésio-mecanoterápicos, e outros -  ver acima), ao preservar, manter, desenvolver ou restaurar a integridade de sistema, órgão ou função, enquanto a Educação Física é um processo educacional, que usa o movimento para dar as pessoas competências para se desenvolverem e se sentirem bem. Ou seja, ambos visam a qualidade de vida, mas enquanto a Fisioterapia se foca primariamente em alcançar ou preservar a integridade (de órgão, função, etc), a Educação Física é um processo educacional preocupado com o desenvolvimento de competências.

Enquanto um busca restaurar ou manter a integridade de órgãos ou funções, o outro se preocupa com o desenvolvimento de competências (físicas e outras). Dito de outra maneira, e enfocando somente a questão física e motora: enquanto um (fisio) busca restaurar ou manter a capacidade do corpo, o outro (educação física) procura desenvolvê-la. Essa é a leitura que eu faço (e que está sujeita a erros).

II - Na prática, como funcionam?

Acho que no exercício de ambas a profissões é que poderemos ver com maior clareza como cada profissão é exercida, e assim elucidar um pouco sobre os limites de atuação de cada uma.

Imaginemos uma pessoa que venha sofrendo de fortes dores nas costas. É bem provável que ela vá procurar um fisioterapeuta ao invés de um professor de educação física. Porém, caso ela procure um professor, freqüentemente ele estará preparado para lhe dar orientações sobre o que fazer para diminuir ou aliviar a dor, e dependendo da circunstância, orientar atividades que não exacerbam a dor. O fisioterapeuta, no entanto, será o profissional com maior número de recursos para lidar e tratar o problema das dores nas costas.

Numa situação inversa, um jovem adulto quer melhorar seu condicionamento físico. Embora o fisioterapeuta possa lhe orientar sobre o que deve ser feito, em geral é o professor de educação física que sabe como orientar uma maior variedade de objetivos (hipertrofia, força máxima, por exemplo) de maneira mais adequada. Nessa situação, o professor é quem tem mais recursos para lidar com a necessidade de melhoria do condicionamento. Meu raciocínio aqui é: o fisioterapeuta se preocupa com a integridade do corpo, enquanto o educador físico com o desenvolvimento.

Porém, em ambas as situações expostas acima, ambos os profissionais podem saber lidar, dentro de seus limites, com o que lhes foi apresentado. O educador físico pode saber quais exercícios são mais adequados para a pessoa com dores nas costas, ou muitas vezes pode ser capaz de realizar uma avaliação postural adequada e aplicar exercícios corretivos. E, no segundo caso, o fisioterapeuta pode também saber elaborar um programa de exercícios que ajude o jovem a alcançar o condicionamento físico que deseja, especialmente caso ele esteja debilitado ou querendo se prevenir contra alguma lesão. Na minha modesta opinião os limites nem sempre estão claros e o conhecimento de cada profissional é que vai delimitar a atuação. 

Obviamente, cada profissional deve sempre ser capaz de saber e de informar o que ele pode ou não realizar profissionalmente.

III - Enfoque

No texto do Prof. Valdir é possível encontrarmos algumas definições de Educação Física, talvez um pouco mais antigas, que mencionam a relação da profissão com “...grandes músculos...”, ou “...esforços musculares grandes...”. 

Embora talvez o significado originalmente dado a essas definições não seja exatamente o que eu compreendi, vejo que pode, ao menos superficialmente, haver um ponto de distinção entre as duas profissões, Fisioterapia e Educação Física, em relação a como ambas enxergam ou trabalham o corpo.
Pois bem, no curso da Fisioterapia, logo ao seu início temos aulas de uma matéria chamada Cinesiologia, onde estudamos os movimentos articulares, revemos as bases de anatomia (matéria que tivemos anteriormente), e aprendemos o início da palpação de estruturas e pontos anatômicos que usamos como referência na hora de avaliarmos um paciente. 

Já na Educação Física não olhamos com esse detalhe, mas aprendemos na Biomecânica sobre os exercícios e quais músculos são trabalhados, além de sua importância para a saúde. Em alguns casos, ambas as matérias apresentam sobreposição de temas (como a importância dos músculos abdominais), mas em geral a Fisioterapia se preocupa com uma visão mais pormenorizada, enquanto a Educação Física com uma visão mais global. E não estou dizendo que ter uma visão é melhor que a outra, acho que cada área se foca naquilo que é mais importante para atuação de seus profissionais.

Mais à frente nos cursos, enquanto na Fisioterapia aprendemos a avaliar os músculos de forma específica, músculo a músculo, na Educação Física aprende-se sobre a avaliação de sistemas produtores de energia, como glicolítico anaeróbio, glicolítico aeróbio e aeróbio, ou sobre testes de força máxima ou condicionamento geral (número de abdominais em 1 minuto, ou de flexões de braço). Esses testes todos envolvem grandes grupos musculares, ou grupos musculares agindo em conjunto. Enquanto o Fisioterapeuta avalia os músculos individualmente, o Educador os avalia em conjunto. Enquanto o Educador Físico busca aprimorar a performance (e não estou falando de performance esportiva ou alto rendimento necessariamente, mas sim a característica sendo avaliada é a aptidão), o Fisioterapeuta está buscando a performance adequada.

A mim, parece que a Fisioterapia se foca na estrutura do indivíduo para levar à integridade da função do corpo, enquanto a Educação Física se foca no condicionamento geral para uma melhora da função. Ainda assim, ambas as profissões se preocupam com o indivíduo como um todo. Na Educação Física, além de aspectos motores relacionados aos indivíduos, existem testes psico-sociais, muitas vezes aplicados às crianças em desenvolvimento. Isso é totalmente justificado, pois como mencionado, a Educação Física se foca na relação entre movimento e desenvolvimento, incluindo o desenvolvimento mental dos indivíduos. Na Fisioterapia, temos uma série de disciplinas de psicologia, incluindo psicologia do desenvolvimento, pois embora o foco talvez seja a melhoria da função, o indivíduo deve ser sempre considerado por completo.

IV - Cursos de Aprimoramento Profissional

Continuando, outra observação é em relação às próprias pós-graduações ou cursos de técnicas específicas aos quais os profissionais podem se dedicar após formados (algumas vezes mesmo antes de formados). No lado da Educação Física temos treinamento funcional, musculação e condicionamento físico, Gyrotonic, Pilates. No lado da Fisioterapia temos técnicas de reposicionamento articular, RPG, Pilates, e quando há treinamento de força, em geral a ênfase é em idosos. Há alguma sobreposição? Sim, Pilates por exemplo, ou treinamento de força, embora a ênfase seja dirigida. No entanto, as opções se dirigem em diferentes direções. Enquanto a Fisioterapia, pelo RPG ou pelas técnicas articulares tende a ir mais em direção a processos ou situações específicas, a Educação Física se dirige mais para a área da saúde global.

V - Exemplos práticos

A.   Reabilitação pós-cirurgia de joelho - Inicialmente, nos primeiros meses, pouca discussão, imagino eu, de que seja o fisioterapeuta o profissional responsável pelo paciente. Ele conhece o processo de recuperação e as técnicas que devem ser aplicadas em cada momento. Após essa fase, pode se iniciar uma fase de condicionamento físico mais intenso, onde já existe maior proteção do joelho. E então, qual o profissional adequado? Minha resposta, aquele que souber o que está fazendo. Geralmente, acho que enquanto não houver alta médica, o fisioterapeuta é o principal profissional a orientar o paciente. Após a alta médica, quando se considera que a recuperação foi bem sucedida, creio que o ideal seja o professor.

B.    Reeducação postural ou tratamento de dores nas costas - Se falarmos em dores nas costas, o fisioterapeuta é o principal profissional a ser procurado. Ele dispõe das avaliações e recursos específicos para a correção daquilo que esteja causando a dor. O educador pode conhecer muitos recursos também, e pode tratar dores e fazer reeducação postural na minha opinião, mas o fisioterapeuta tem acesso a um maior número de recursos nesse sentido. Acredito, porém, que numa situação o professor se sobressaia em relação ao fisioterapeuta. Na escola de coluna ou nos grupos de exercícios para dores nas costas. Creio que o Educador é mais treinado em lidar com grupos, enquanto o fisioterapeuta em geral está acostumado com atendimento individualizado.

C.    Acompanhamento de gestantes - Ambos. Acho que é necessário ter o conhecimento de todo o processo gestativo, e isso não é uma coisa que nenhuma das profissões enfatiza na formação universitária, sendo algo que os profissionais devem ir buscar após sua formação. Conhecer os músculos que tendem a causar dores, trabalhar os músculos de sustentação da maneira adequada, orientar em relação às posições de dormir e sentar são todas as atividades que ambos os profissionais podem realizar.

D.   Condicionamento Físico - Ambos, dependendo do ponto de vista. Se você fala em aprimoramento das aptidões (força, resistência, potência, etc), creio que o Educador Físico seja o mais apropriado. Sua formação de base é voltada nesse sentido. Se você fala em ter um condicionamento básico ou bem estar para suas atividades do dia-a-dia, acho que ambos. Um ponto para o fisioterapeuta é que ele dispõe de recursos como massagens e alongamentos específicos que nem sempre são de conhecimento dos educadores (embora nada impeça que possam saber também).

E.    Correção de movimentos - Ambos, de diferentes formas. Os educadores físicos podem corrigir padrões de movimento em jovens, ao analisar características de como realizam esses movimentos e compará-las com os padrões de cada faixa etária. Em adultos, podem corrigir os gestos de seus alunos quando acharem que há a necessidade, viando diminuir a sobrecarga de uma articulação, por exemplo. Os fisioterapeutas corrigem padrões também, em geral buscando pelos padrões de alinhamento ou desalinhamento articular, ou posicionamento inadequado durante sua realização. Existe ainda a análise biomecânica do movimento, onde através de métodos com câmeras e outros recursos, consegue-se quantificar a qualidade e quantidade de movimento num determinado gesto, e pode se analisá-la de forma mais específica. Em relação à análise de movimento, acho que ambos, dependendo da situação e do preparo de cada profissional.

F.    Esporte - Fisioterapeuta trabalha na fisioterapia esportiva, podendo também atuar na correção do gesto esportivo de um atleta, visando a prevenção de lesões e aprimoramento da performance. Educador Físico pode trabalhar como preparador físico, como treinador, preparador de jovens atletas, e diversas outras funções.

E vocês, leitores, o que pensam sobre os limites de atuação deses profissionais?

Retirado do site:
http://optimizese.blogspot.com.br/2012/02/fisioterapia-x-educacao-fisica-qual-o.html

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