Vamos à polêmica. Um dos temas que me parecem pouco
claros, ou ao menos, compreendidos pela maior parte dos profissionais destas
duas áreas, é a até onde vai a atuação de um profissional e onde começa a do
outro. Não acho que as respostas às quais poderemos chegar ao fim deste texto
serão totalmente aceitas, e nem esse é o objetivo final. Em primeiro lugar,
acho que teremos algum esclarecimento. Em segundo lugar, poderemos iniciar uma
saudável discussão que poderá ajudar a todos (a mim inclusive) entender melhor
quais os papéis de cada um desses profissionais.
Devo dizer que tenho formação dupla, tanto em
Fisio, como em Educação Física. Porém, profissionalmente sempre fui mais
envolvido com a Fisioterapia. Antes de poder ser cogitada qualquer especulação
de que poderia ser tendencioso nesse texto, devo dizer que acho o profissional
de Educação Física fundamental em inúmeros aspectos da saúde das pessoas. Em
especial, em relação ao desenvolvimento físico e moral de crianças e jovens em
crescimento, que encontram na educação física não somente uma importante disciplina
escolar para sua evolução como indivíduo e cidadão, mas também um dos
principais espaços onde podem se manifestar com espontaneidade na escola, em
oposição ao ambiente freqüentemente restritivo das salas de aula.
Ninguém discute o papel do educador físico na
educação escolar. Esse realmente não é o espaço do fisioterapeuta. Porém,
quando falamos de temas como reabilitação, prevenção de lesões e correção de
padrões motores as discordâncias entre quais são os papéis podem começar a
surgir. E não paramos aí. Quem pode (ou deve) ser o profissional que realiza a
reeducação postural, ou orienta exercícios de fortalecimento e alongamento para
pessoas com dores nas costas ou que queiram prevenir essas dores? Quem
acompanha mulheres grávidas orientando um programa de exercícios que visa
tornar mais confortável o período de gravidez, e mais facilitado o parto? Numa
reabilitação após cirurgia de joelho, qual o momento em que o fisioterapeuta
passa o papel de supervisionar determinado paciente para o educador físico (se
é que faz, pode ou deve fazer isso)? E assim por diante.
I -
Definições
Pois bem, fui buscar a definição das profissões. No
site do Conselho Regional de Fisioterapia (www.crefito.com.br), na barra
localizada ao lado esquerdo da tela, ítem Fisioterapia, sub-ítem definição,
encontramos um arquivo pdf onde há uma definição escrita da fisioterapia, seus
objetivos, atribuições do fisioterapeuta, e etc. Não pretendo transcrever o
texto por inteiro, mas acredito que alguns pontos fundamentais devem ser mencionados:
Objeto de estudos: movimento humano, normal ou
patológico, e suas repercussões psíquicas e orgânicas.
Objetivo: preservar, manter, desenvolver ou
restaurar a integridade de órgãos, sistema ou função, visando a melhoria da
qualidade de vida.
Recursos: recursos termoterápicos,
eletroterápicos, cinésio-mecanoterápicos e outros.
Papel do fisioterapeuta: constrói diagnósticos de
distúrbios cinético-funcionais e prescreve e aplica a conduta fisioterapêutica.
Para encontrar a resposta à pergunta “O que é
educação física” fui diretamente no google e fiz essa pergunta. O 5º link
apresentado na primeira página me levou a um texto do Professor Valdir Barbanti
da Escola de Educação Física (e Esporte) da USP, onde encontrei algumas das
respostas que procurava e que poderão nos ajudar no embasamento de nossa
discussão.
Logo no início da leitura, encontrei o ponto que
talvez seja fundamental na diferenciação da Educação Física em relação à
Fisioterapia e a outras profissões que podem ter como objeto de estudo o
movimento humano. Esse ponto é o conceito de que a Educação Física se interessa
pelo movimento humano e sua relação com o desenvolvimento mental, social e
emocional dos indivíduos.
Um pouco mais à frente, o autor apresenta uma
definição atual de Educação Física, que seria “...um processo educacional que
usa o movimento como um meio de ajudar as pessoas a adquirir habilidades,
condicionamento, conhecimento e atitudes que contribuem para seu ótimo
desenvolvimento e bem estar”.
Acredito que já temos alguns conceitos para
desenvolver nossa discussão.
Pois bem, enquanto a Fisioterapia se preocupa com o
movimento normal e patológico, e suas repercussões, a Educação Física se
preocupa com o movimento e sua relação com o desenvolvimento dos
indivíduos.
A Fisioterapia busca melhorar a qualidade de vida,
com o uso de recursos próprios dela (termoterápicos, cinésio-mecanoterápicos, e
outros - ver acima), ao preservar, manter, desenvolver ou restaurar a
integridade de sistema, órgão ou função, enquanto a Educação Física é um
processo educacional, que usa o movimento para dar as pessoas competências para
se desenvolverem e se sentirem bem. Ou seja, ambos visam a qualidade de vida,
mas enquanto a Fisioterapia se foca primariamente em alcançar ou preservar a
integridade (de órgão, função, etc), a Educação Física é um processo
educacional preocupado com o desenvolvimento de competências.
Enquanto um busca restaurar ou manter a integridade
de órgãos ou funções, o outro se preocupa com o desenvolvimento de competências
(físicas e outras). Dito de outra maneira, e enfocando somente a questão física
e motora: enquanto um (fisio) busca restaurar ou manter a capacidade do corpo,
o outro (educação física) procura desenvolvê-la. Essa é a leitura que eu faço
(e que está sujeita a erros).
II - Na
prática, como funcionam?
Acho que no exercício de ambas a profissões é que
poderemos ver com maior clareza como cada profissão é exercida, e assim
elucidar um pouco sobre os limites de atuação de cada uma.
Imaginemos uma pessoa que venha sofrendo de fortes
dores nas costas. É bem provável que ela vá procurar um fisioterapeuta ao invés
de um professor de educação física. Porém, caso ela procure um professor,
freqüentemente ele estará preparado para lhe dar orientações sobre o que fazer
para diminuir ou aliviar a dor, e dependendo da circunstância, orientar
atividades que não exacerbam a dor. O fisioterapeuta, no entanto, será o
profissional com maior número de recursos para lidar e tratar o problema das
dores nas costas.
Numa situação inversa, um jovem adulto quer
melhorar seu condicionamento físico. Embora o fisioterapeuta possa lhe orientar
sobre o que deve ser feito, em geral é o professor de educação física que sabe
como orientar uma maior variedade de objetivos (hipertrofia, força máxima, por
exemplo) de maneira mais adequada. Nessa situação, o professor é quem tem mais
recursos para lidar com a necessidade de melhoria do condicionamento. Meu
raciocínio aqui é: o fisioterapeuta se preocupa com a integridade do corpo,
enquanto o educador físico com o desenvolvimento.
Porém, em ambas as situações expostas acima, ambos
os profissionais podem saber lidar, dentro de seus limites, com o que lhes foi
apresentado. O educador físico pode saber quais exercícios são mais adequados
para a pessoa com dores nas costas, ou muitas vezes pode ser capaz de realizar
uma avaliação postural adequada e aplicar exercícios corretivos. E, no segundo
caso, o fisioterapeuta pode também saber elaborar um programa de exercícios que
ajude o jovem a alcançar o condicionamento físico que deseja, especialmente
caso ele esteja debilitado ou querendo se prevenir contra alguma lesão. Na
minha modesta opinião os limites nem sempre estão claros e o conhecimento de
cada profissional é que vai delimitar a atuação.
Obviamente, cada profissional
deve sempre ser capaz de saber e de informar o que ele pode ou não realizar
profissionalmente.
III -
Enfoque
No texto do Prof. Valdir é possível encontrarmos
algumas definições de Educação Física, talvez um pouco mais antigas, que
mencionam a relação da profissão com “...grandes músculos...”, ou “...esforços
musculares grandes...”.
Embora talvez o significado originalmente dado a essas
definições não seja exatamente o que eu compreendi, vejo que pode, ao menos
superficialmente, haver um ponto de distinção entre as duas profissões,
Fisioterapia e Educação Física, em relação a como ambas enxergam ou trabalham o
corpo.
Pois bem, no curso da Fisioterapia, logo ao seu
início temos aulas de uma matéria chamada Cinesiologia, onde estudamos os
movimentos articulares, revemos as bases de anatomia (matéria que tivemos
anteriormente), e aprendemos o início da palpação de estruturas e pontos
anatômicos que usamos como referência na hora de avaliarmos um paciente.
Já na
Educação Física não olhamos com esse detalhe, mas aprendemos na Biomecânica
sobre os exercícios e quais músculos são trabalhados, além de sua importância
para a saúde. Em alguns casos, ambas as matérias apresentam sobreposição de
temas (como a importância dos músculos abdominais), mas em geral a Fisioterapia
se preocupa com uma visão mais pormenorizada, enquanto a Educação Física com
uma visão mais global. E não estou dizendo que ter uma visão é melhor que a
outra, acho que cada área se foca naquilo que é mais importante para atuação de
seus profissionais.
Mais à frente nos cursos, enquanto na Fisioterapia
aprendemos a avaliar os músculos de forma específica, músculo a músculo, na
Educação Física aprende-se sobre a avaliação de sistemas produtores de energia,
como glicolítico anaeróbio, glicolítico aeróbio e aeróbio, ou sobre testes de
força máxima ou condicionamento geral (número de abdominais em 1 minuto, ou de flexões
de braço). Esses testes todos envolvem grandes grupos musculares, ou grupos
musculares agindo em conjunto. Enquanto o Fisioterapeuta avalia os músculos
individualmente, o Educador os avalia em conjunto. Enquanto o Educador Físico
busca aprimorar a performance (e não estou falando de performance esportiva ou
alto rendimento necessariamente, mas sim a característica sendo avaliada é a
aptidão), o Fisioterapeuta está buscando a performance adequada.
A mim, parece que a Fisioterapia se foca na
estrutura do indivíduo para levar à integridade da função do corpo, enquanto a
Educação Física se foca no condicionamento geral para uma melhora da função.
Ainda assim, ambas as profissões se preocupam com o indivíduo como um todo. Na
Educação Física, além de aspectos motores relacionados aos indivíduos, existem
testes psico-sociais, muitas vezes aplicados às crianças em desenvolvimento.
Isso é totalmente justificado, pois como mencionado, a Educação Física se foca
na relação entre movimento e desenvolvimento, incluindo o desenvolvimento
mental dos indivíduos. Na Fisioterapia, temos uma série de disciplinas de
psicologia, incluindo psicologia do desenvolvimento, pois embora o foco talvez
seja a melhoria da função, o indivíduo deve ser sempre considerado por
completo.
IV -
Cursos de Aprimoramento Profissional
Continuando, outra observação é em relação às
próprias pós-graduações ou cursos de técnicas específicas aos quais os
profissionais podem se dedicar após formados (algumas vezes mesmo antes de
formados). No lado da Educação Física temos treinamento funcional, musculação e
condicionamento físico, Gyrotonic, Pilates. No lado da Fisioterapia temos
técnicas de reposicionamento articular, RPG, Pilates, e quando há treinamento
de força, em geral a ênfase é em idosos. Há alguma sobreposição? Sim, Pilates
por exemplo, ou treinamento de força, embora a ênfase seja dirigida. No
entanto, as opções se dirigem em diferentes direções. Enquanto a Fisioterapia,
pelo RPG ou pelas técnicas articulares tende a ir mais em direção a processos
ou situações específicas, a Educação Física se dirige mais para a área da saúde
global.
V -
Exemplos práticos
A.
Reabilitação pós-cirurgia de joelho - Inicialmente,
nos primeiros meses, pouca discussão, imagino eu, de que seja o fisioterapeuta
o profissional responsável pelo paciente. Ele conhece o processo de recuperação
e as técnicas que devem ser aplicadas em cada momento. Após essa fase, pode se
iniciar uma fase de condicionamento físico mais intenso, onde já existe maior
proteção do joelho. E então, qual o profissional adequado? Minha resposta,
aquele que souber o que está fazendo. Geralmente, acho que enquanto não houver
alta médica, o fisioterapeuta é o principal profissional a orientar o paciente.
Após a alta médica, quando se considera que a recuperação foi bem sucedida,
creio que o ideal seja o professor.
B.
Reeducação postural ou tratamento de dores nas
costas - Se falarmos em dores nas costas, o fisioterapeuta
é o principal profissional a ser procurado. Ele dispõe das avaliações e
recursos específicos para a correção daquilo que esteja causando a dor. O
educador pode conhecer muitos recursos também, e pode tratar dores e fazer
reeducação postural na minha opinião, mas o fisioterapeuta tem acesso a um
maior número de recursos nesse sentido. Acredito, porém, que numa situação o
professor se sobressaia em relação ao fisioterapeuta. Na escola de coluna ou
nos grupos de exercícios para dores nas costas. Creio que o Educador é mais
treinado em lidar com grupos, enquanto o fisioterapeuta em geral está
acostumado com atendimento individualizado.
C.
Acompanhamento de gestantes - Ambos.
Acho que é necessário ter o conhecimento de todo o processo gestativo, e isso
não é uma coisa que nenhuma das profissões enfatiza na formação universitária,
sendo algo que os profissionais devem ir buscar após sua formação. Conhecer os
músculos que tendem a causar dores, trabalhar os músculos de sustentação da
maneira adequada, orientar em relação às posições de dormir e sentar são todas
as atividades que ambos os profissionais podem realizar.
D.
Condicionamento Físico - Ambos,
dependendo do ponto de vista. Se você fala em aprimoramento das aptidões
(força, resistência, potência, etc), creio que o Educador Físico seja o mais
apropriado. Sua formação de base é voltada nesse sentido. Se você fala em ter
um condicionamento básico ou bem estar para suas atividades do dia-a-dia, acho
que ambos. Um ponto para o fisioterapeuta é que ele dispõe de recursos como
massagens e alongamentos específicos que nem sempre são de conhecimento dos
educadores (embora nada impeça que possam saber também).
E.
Correção de movimentos - Ambos,
de diferentes formas. Os educadores físicos podem corrigir padrões de movimento
em jovens, ao analisar características de como realizam esses movimentos e compará-las
com os padrões de cada faixa etária. Em adultos, podem corrigir os gestos de
seus alunos quando acharem que há a necessidade, viando diminuir a sobrecarga
de uma articulação, por exemplo. Os fisioterapeutas corrigem padrões também, em
geral buscando pelos padrões de alinhamento ou desalinhamento articular, ou
posicionamento inadequado durante sua realização. Existe ainda a análise
biomecânica do movimento, onde através de métodos com câmeras e outros
recursos, consegue-se quantificar a qualidade e quantidade de movimento num
determinado gesto, e pode se analisá-la de forma mais específica. Em relação à
análise de movimento, acho que ambos, dependendo da situação e do preparo de
cada profissional.
F.
Esporte - Fisioterapeuta trabalha na fisioterapia
esportiva, podendo também atuar na correção do gesto esportivo de um atleta,
visando a prevenção de lesões e aprimoramento da performance. Educador Físico
pode trabalhar como preparador físico, como treinador, preparador de jovens
atletas, e diversas outras funções.
E vocês, leitores, o que pensam sobre os limites de
atuação deses profissionais?
Retirado do site:
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